_ E aí Camila, quando sai o seu romance?, me perguntou uma conhecida agente literária em um evento igualmente literário no meio de um monte de cabeças literárias, onde eu circulo, sendo uma cidadã do livro.
_ Acho que nunca, estou traumatizada, não quero mais saber de escrever ficção, falei meio sorrindo, meio resignada.
A autodepreciação sempre combinou comigo.
Um ano se passou e eu nunca mais escrevi nada. Meu romance está parado no mesmo lugar, desde o final de 2023. Meus posts no Instagram estão cada dia mais raros e rasos, a última vez que eu apareci por aqui tem sete meses e há uma vida inteirinha conspirando contra mim.
Eu poderia culpar a menopausa. Tá sempre calor, meu cérebro virou um purê, eu não lembro de nada, tô meio deprê, meu pavio encurtou uns 30 cm e tá difícil verbalizar as ideias, quiçá me organizar para escrever.
Sim, eu poderia culpar essa fase humilhante. Mas não vou porque tem mais por trás. Estou sentindo uma falta imensa de escrever, mas paraliso. Estou enferrujada e acho que estou com medo de pegar no teclado e colocar em palavras tudo o que está berrando para sair à fórceps.
Medo de escrever. Não sei nem se isso é compatível com a minha profissão.
Não foi difícil de achar depoimentos de escritores paralisados pelo medo.
O escritor John Steinbeck (1902-1968), Prêmio Nobel e autor do conhecidíssimo Ratos e Homens [On mice and men], foi o mais famoso medroso. Ele falou abertamente sobre suas dificuldades com ansiedade, bloqueios criativos e medo de escrever, revelando uma experiência humana comum mesmo entre autores renomados. Ele reconhecia o medo de começar uma história, a ansiedade provocada pela autocrítica e a pressão por alcançar a perfeição.
Clarice Lispector escreveu Um sopro de vida sacudida por uma questão “Estou com a impressão de que ando me imitando um pouco. O pior plágio é o que se faz de si mesmo”. E é neste livro que se encontra um trecho famoso nos cards de internet. “Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.”
A mentora de escrita, Ann Kroeker afirma que o medo de não ser bom o suficiente costuma estar entrelaçado com outras lutas e medos, criando camadas de medo sobre medo: medo de julgamento, medo de críticas, medo de rejeição, medo de fracassar, síndrome do impostor, necessidade de agradar a todos, perfeccionismo, autocrítica, insegurança e ansiedade.
Mas e aí? Como faz para vencer este acometimento nada prático?
O escritor Graham Strong da ótima To write with wild abandon dá a seguinte dica: “escrever e mostrar o que você escreveu são, na verdade, duas coisas diferentes. Mas às vezes o medo de mostrar acaba se transformando em medo de escrever, por mais ilógico que isso pareça. Escreva primeiro. Depois decida o que fazer com o texto. Talvez ele vá para uma gaveta, talvez ganhe o mundo. Por enquanto, no entanto, é só para você.”
A escritora e minha bestie pessoal Cris Lisbôa, capitã da magnífica Go Writers já me disse muitas vezes para apenas escrever. Como o Graham, ela aconselha a não pensar em publicar, postar, em quem vai ler. “Usa menos adjetivos e escreve todo dia, igual comer carreteiro e tomar banho.” Se você não acredita em mim, tá lá na home da página da escola: “só senta a bunda e escreve. Sem medo, sem certo e errado”.
Depois de ler muitos artigos, blogs, newsletters e posts sobre o medo de escrever, eu cometi uma listinha para me ajudar a vencer essa batalha e compartilho aqui:
1. Vá aos poucos
Não tente escrever o livro ou o texto inteiro de uma vez. Comece com uma frase, uma anotação, um pensamento. Abuse do caderninho ou do bloco de notas do celular. O impulso vem da ação.
2. Escreva de qualquer jeito
Permita-se escrever um primeiro rascunho ruim. A perfeição é inimiga do progresso. Evite ficar se editando a cada parágrafo.
3. Separe escrever de mostrar
Escrever e publicar são atos diferentes. Escreva com liberdade primeiro e depois decida se será compartilhado ou não.
4. Pomodoro é seu amigo
Programe 10 ou 15 minutos e escreva sem parar. Pequenos sprints evitam a paralisia e não dá tempo de você ser o seu pior inimigo. Eu uso o Minimalist para Iphone.
5. Fale com a página e não com o público
Escreva como se estivesse em uma conversa íntima. Esqueça o leitor.
6. Abrace o caos
A clareza vem na revisão, não antes. Deixe o primeiro rascunho ser caótico. É no caos que vive a voz verdadeira.
7. Tenha um ritual
Crie uma rotina de escrita, mesmo que pequena. Pode ser o mesmo cantinho, o mesmo chá, o mesmo horário. A familiaridade acalma o medo.
8. A comunidade importa
Converse com outros escritores. Não tenha vergonha. As pessoas fingem bem, mas basta alguém começar a falar sobre suas inseguranças e logo todo mundo está dando as mãos e sofrendo coletivamente. A coragem cresce quando é compartilhada.
9. Reenquadre o medo
O medo também é sinal de que você se importa. A insegurança paralisante incomoda. Use o medo como sinal, não como obstáculo.
10. Confie no processo
É piegas, mas a verdade é que escrever não é mágica e é fruto de muito trabalho. Só se melhora praticando e não esperando sentir-se pronto. Pensar isso ajuda a vencer a procrastinação.
E o futuro?
Neste momento de profundas reflexões e uma frustração sem tamanho eu conclui que usei meu poder para travar o fluxo constante de ideias. Impedi todas elas de saírem da minha mente menopauser de gelatina. Me convenci que escrever não era pra mim. Edita e enfia a viola no saco. Nem falei com meu analista em todo o 2024 sobre isso.
Aí um dia, neste 2025, eu falei. Ele me olhou horrorizado. Desde então, a gente volta semanalmente ao assunto, pelo menos um pouco. Cheguei a um comprometimento comigo mesma de que eu sou uma abestada que deveria estar escrevendo.
Acho que a raiz do meu medo não é bem que eu não vou ser tecnicamente boa na escrita. Mas que, no fundo, eu não tenho nada de relevante para acrescentar neste mundo onde todo mundo tem opinião sobre tudo.
Enquanto todos berram, eu me calei.
E eis que, há dois meses atrás, eu tive uma unidade de ideia. Eu escrevi essa ideia. E, desde então, eu estou escrevendo ideias. E frases. E parágrafos. E mais ideias. E projetos pra mapa lab e para a Pinakotheke. Também estou escrevendo aqui.
Hoje é sobre vencer o medo.
Eu estou viva, oras.
Aviso a quem segue por aqui. Não vou revisar ou editar muito, que é para não perder a coragem. Não vou chamar de recomeço. Não vou garantir retorno e nem periodicidade. Mas um salve e um obrigada demais por estarem aqui, seja por amor ou por esquecimento.




meu deus achei que era sobre mim. Te abraço! Vamos!
Calar por achar que não temos nada relevante a acrescentar. Me identifico, quieta.